Candidato americano ao Urso de Ouro de 2022, aclamado pelo público alemão, mas desprezado pelo júri, «Call Jane – Tu Não Estás Só» chegou ao Festival de Berlim com o selo de qualidade de Sundance, mais ou menos como, há 25 anos, aconteceu com um tal «Central do Brasil». Sigourney Weaver, a inimiga nº 1 dos Aliens de Ridley Scott, não é a sua protagonista, mas é um dos motivos pelos quais a longa-metragem dirigida pela diretora teatral e dramaturgia Phyllis Nagy conquistou elogios. Numa interpretação luminosa, típica de uma estrela em tempo de amadurecimento que corre atrás do prestígio perdido, Sigourney personifica uma ativista de causas femininas que, nos Estados Unidos do fim dos anos 1960, lidera uma associação que poderia ser traduzida como “As Janes”.

Suportado num roteiro sociológico, de diálogos ásperos, o desempenho de Weaver é comovente nesse feel good drama, com tons de humor, que celebra a irmandade a partir da discussão do direito ao próprio corpo. O papel principal foi para Elizabeth Banks (diretora do recente «O Urso do Pó Branco» e estrela de «Zack e Miri Fazem Um Porno», 2008).

Em estado de graça, Elizabeth interpreta Joy, uma dona de casa que precisa de interromper a sua segunda gravidez, a todo custo, por problemas cardíacos que podem custar sua vida. Por pudores morais, os médicos não querem saber dela, preocupados apenas com o bebé, sem lidarem com a possibilidade de que a criança possa nascer órfã. Desesperada para abortar, no auge da patrulha de bons costumes do fim dos anos 1960, ela se depara com o anúncio de um grupo de acolhimento que atende pelo nome de Jane. A sigla é “Call Jane”. É tipo “Chama a Jane” cuja líder é a feminista Virginia (Sigourney). A função do grupo é garantir que mulheres como Joy, desesperadas para evitar uma maternidade indesejada ou arriscada, possam escolher o seu próprio destino sem punição.

Respeitada nos palcos por peças como “Weldon Rising” e “Butterfly Kiss”, Phyllis Nagy celebra o congraçamento feminino sem incorrer em arquétipos masculinos redutores. O seu retrato dos homens não resvala em caricaturas, como comprova a complexa figura do advogado Will, companheiro de Joy, que ela confiou a Chris Messina, um dos atores mais talentosos do cinema indie nos dias de hoje. Até o médico Dean (Cory Michael Smith) é tratado sem julgamentos, conquistando uma arquitetura dramática tridimensional. E a diretora ainda foi feliz em abrir frentes de debates sociais perpendiculares à exclusão do sexismo, como se vê no debate do feminismo negro que se trava na figura de Gwen (Wunmi Mosaku), uma das Jane, preocupada com o que chama de “suas irmãs” do movimento Pantera Negra.

Título Original: Call Jane Realização: Phyllis Nagy Elenco: Elizabeth Banks, Sigourney Weaver, Chris Messina, Kate Mara Duração: 121 min. EUA, 2022

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº93, Maio 2023]

https://www.youtube.com/watch?v=U-1pUnTsSQc
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