«Cães Danados» marca em grande o início da carreira de Quentin Tarantino como realizador. A violência gráfica, a exuberância estilística, as múltiplas referências à cultura pop, os diálogos espirituosos e a narrativa intrincada são algumas das características que se revelarão transversais na sua obra e que estão já todas aqui. Apesar de, à época, não ter recebido grande atenção do público ou da crítica, «Cães Danados» tornou-se com o tempo num clássico incontornável do cinema independente. A famosa discussão hermenêutica entre bandidos em torno do significado da canção de Madonna “Like a Virgin” é um momento icónico que assinala uma pequena revolução no género e que irá produzir inúmeros imitadores. Mas a razão porque passados quase 30 anos da sua estreia «Cães Danados» continua a ser um filme merecedor da nossa atenção prende-se sobretudo com uma outra dimensão, humana e realista, que nunca esmorece sob os preciosismos estilísticos (passíveis de imitação). A forma como o som dos pássaros e das crianças a brincar interrompe uma terrível cena de tortura – terrivelmente sedutora – é absolutamente brilhante. Apesar de estramos quase todo o tempo presos dentro de um armazém, Tarantino assegura-se de que nunca perdemos a noção de que o filme se passa num sítio real. Apesar das reviravoltas na história, não perdemos nunca a noção de que aqueles bandidos, com nomes falsos, que se esvaem em sangue falso, são pessoas reais, para quem a lealdade, o arrependimento e o desespero são também reais.
Título original: Reservoir Dogs Realização: Quentin Tarantino Elenco: Harvey Keitel, Tim Roth, Michael Madsen, Chris Penn, Steve Buscemi Duração: 99 min. EUA, 1992
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº70, Agosto 2019]
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