Lembram-se de «The Girlfriend Experience» («Confissões de uma Namorada de Serviço») (2009), o filme de Steven Soderbergh que, a partir do dia a dia de uma “call girl” (Sasha Grey) de Manhattan, traçava um impressionante panorama afectivo e moral das condições em que eclodiu a crise financeira de 2008? Pois bem, talvez se possa dizer que, para lá das muitas diferenças de tom e estilo, «Blue Jasmine» é também, na obra de Woody Allen, a sua parábola sobre as turbulências financeiras deste nosso dramático arranque do séc. XXI. Não que ele ceda à facilidade televisiva que consiste em encontrar personagens “emblemáticas” para, depois, as colocar em situações “simbólicas” dos “temas” essenciais… Nada disso. Se «Blue Jasmine» tem a ver com algum modelo específico, será de origem teatral, já que a odisseia de Jasmine (assombrosa Cate Blanchett) se apresenta, assumidamente, como um jogo de variações sobre a trajectória de Blanche na peça Um Eléctrico Chamado Desejo, de Tennesse Williams (publicada em 1947 e levada ao cinema, em 1951, por Elia Kazan). Com um marido (Alec Baldwin) investigado por crimes de especulação financeira, oscilando entre a lucidez mais brutal e as explosões de uma loucura que se vai entranhando em todos os seus gestos, Jasmine é, de uma só vez, uma alma à deriva e um sinal revelador dos desequilíbrios do seu mundo conjugal, social e ético. E não é a menor das proezas de «Blue Jasmine» que Woody Allen consiga filmar tudo isso num registo em que os ziguezagues passado/presente nunca geram a sensação de “flashbacks”, antes parecem emergir como cenas cruéis da vida interior da própria personagem central. Nesta perspectiva, creio que podemos colocar «Blue Jasmine» a par de títulos como «Manhattan» (1979), «Ana e as suas Irmãs» (1986) ou «Celebridades» (1998), todos eles prodigiosos exercícios “corais” em que os cruzamentos de histórias e personagens nascem de uma visão desencantada da insensatez das relações humanas.
Título original: Blue Jasmine Realização: Woody Allen Elenco: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Bobby Cannavale, Andrew Dice Clay Duração: 98 min EUA, 2013
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº12, Setembro 2013]
https://www.youtube.com/watch?v=KK7_xLxf4o0