À procura de novas formas de repaginar a Liga da Justiça, retomando isoladamente as narrativas de cada um de seus integrantes, com destaque para o esperado «Superman» de James Gunn, a DC tem aberto seu baú de heróis menos conhecidos a fim de oferecer a Hollywood novos veios pop. Em 2010, tentou fazer isso com «Jonah Hex», cowboy interpretado por Josh Brolin. Não teve todo o sucesso que se esperava. Repetiu essa tentativa com «Black Adam», elegendo Dwayne The Rock Johnson para dar vida e alma a um vilão transformado em vigilante. O resultado não encheu os cofres da Warner com as receitas esperadas, mas rendeu um filme de qualidade. Agora é a vez de «Blue Beetle», uma mistura de Sherlock Holmes com o Professor Pardal (personagem inventor da Disney), para ir a campo atrás dos espectadores. O carisma do personagem é gigante.
Mistura de humor, crítica política e aventura nos moldes (plásticos e dramatúrgicos) do (hoje filme de culto) «Homem-Aranha» de Sam Raimi de 2002, «Blue Beetle» é uma aventura espantosamente hábil como narrativa de género e tem requintes singulares para lidar com os códigos dos comics das quais é derivado. Sob a direção vívida de Angel Manuel Soto, o divertido filme cria um quebra-cabeças a partir das múltiplas identidades que o Besouro teve na banda desenhada a partir da década de 1940. Prende a plateia pelo seu engenho dramatúrgico e pela química do par romântico formado por Bruna Marquezine e Xolo Maridueña.
Ao longo das duas horas (muito bem) escritas pelo argumentista Gareth Dunnet-Alcoer, a sensação é estarmos perante uma versão audiovisual de “As Veias Abertas da América Latina”, livro reverenciado de Eduardo Galeano sobre as vicissitudes da realidade das Américas sob as dores da colonização e do imperialismo. São duas horas de militância quase zapatista, falada em espanglês (mas com sotaque da juventude internauta de hoje), acerca das mazelas de uma família hispânica. Há um clã empobrecido em cena, que vive numa cidade de imigrantes explorada pela bilionária da robótica Victoria Kord (Susan Sarandon, impecável no posto de vilã). O desejo dela é decifrar os enigmas de um escaravelho mágico capaz de oferecer ao seu “escolhido”, ou seja, o seu hospedeiro, um tipo de armadura simbionte, dotada de poderes. O seu escolhido será Jaime Reyes, o papel de Xolo Maridueña, que brilha na série Netflix «Cobra Kai». A figura que ele constrói com base na banda desenhada só faz expandir o seu carisma, sem deixar de pontuar a natureza “excluída” das comunidades hispânicas dos Estados Unidos.
Bruna Marquezine dá viço e inteligência à figura de Jenny Kord. O mesmo perfil pode ser encontrado na avó, figura desempenhada por Adriana Barraza. Tudo é bem doseado na forma como o porto-riquenho Manuel Soto dirige, o que já se percebia em «La Granja» (2015) e «Charm King Nights» (2020).
O seu trabalho valoriza o cardápio da DC, com direito a um engenhoso uso do vilão OMAC, espécie de vírus robótico, aqui visto numa nova roupagem, com a ajuda do ator Raoul Max Trujillo (de «Apocalypto»), no papel do mercenário (cheio de traumas) Carapax.
Numa triagem histórica, o filme se reporta a vários Besouros. O herói surgiu em 1939, nas páginas da revista “Mistery Men Comics”. Originalmente, o seu nome era Dan Garrett, individuo que ganhava superpoderes de um escaravelho sagrado. Depois, nos anos 1980, a identidade secreta mudou para Ted Kord, um inventor capaz de inventar uma nave com aspecto de inseto. Por fim, nos anos 2000, num empenho de integrar a comunidade latina, a DC resolveu apresentar um novo guerreiro para encantar o seu público leitor: Jaime Reyes. É um jovem que, em contato com um artefato em forma de besouro desenvolve uma armadura especial, repleta de armas e energia, e resolve emprega-la no combate o crime.
George Lopez é um destaque do elenco no papel do tio malandro de Jaime. Nas cenas pós-créditos, encontra-se uma comovente homenagem à série «Chapolim» («El Chapulín Colorado») (1973-79).
Título original: Blue Beetle Realização: Angel Manuel Soto Elenco: Xolo Maridueña, Bruna Marquezine, Raoul Max Trujillo, George Lopez, Susan Sarandon Duração: 127 min. EUA/México, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº98, Setembro 2023]
https://youtu.be/AOyecfCmJa4?si=Lgh7bSAUivBxZxA2