Delineado para ser querido, esperado como um mimo por fãs de Marylin Monroe (1926–1962) tão afoitos de novas perspectivas da sua diva, «Blonde» só fez (e só faz) incomodar, a ponto de não se perceberem as suas potências narrativas, que vão além da estonteante atuação de Ana de Armas na representação de um mito em esfacelamento. É um filme semiótico feito por um diretor catastrofista, o neozelandês Andrew Dominik, que condenou a América a ser apenas (e nada mais que) um negócio em «Mata-os Suavemente», de 2012. Sim, «Blonde» é cruel. Sim, «Blonde» é indigesto em sua abordagem dos signos do feminino, por vezes até reducionista. Sim, ele despreza a cinefilia clássica, desprezando imagens que afagariam o peito de quem revê «Quanto Mais Quente Melhor» (1959). Mas não se trata de uma cinebiografia e, sim, de um rizoma.

Há um só filme, considerado por puristas como um fracasso, que vem à cabeça quando se mergulha em «Blonde»: «Vamo-nos Amar» (1960), produção de US$ 3,5 milhões, originalmente chamada «The Billionaire». Marilyn a fez com pouco gosto, para honrar seu contrato com a 20th Century Fox. Cor alguma (da fotografia) disputa atenção com o louro dos cabelos de MM numa trama sobre bastidores da Broadway que conquistou uma nomeação ao Óscar de melhor trilha sonora de Lionel Newman e Earle H. Hagen. Fala-se do filme como um ponto fora da curva ascendente da sua estrela, entre a viragem da década de 1950 e sua consagração popular, e fala-se do envolvimento além cena da atriz com Yves Montand. A conexão se dá pelo fato de tratar de uma narrativa sobre uma estrela em construção – e implosão. «Blonde» é isso. Apresentado na competição pelo Leão de Ouro sem conseguir a adesão popular e a carícia da crítica que a Netflix, a sua produtora e exibidora, esperava, «Blonde», um recorte metonímico da vida de La Monroe (1926–1962), ganhou uma exibição de San Sebastián nos 45 minutos do segundo tempo do evento espanhol, a fim de atrair mais holofotes para sua estreia, a 28 de setembro de 2022. Decalcado do romance homónimo de Joyce Carol Oates sobre a loura de «Paragem de Autocarro» (1956), a longa-metragem entrou na vaga anual de Filme Surpresa, que o festival espanhol sempre reserva para seu último dia, em paralelo à sua cerimónia de premiação, com a entrega da Concha de Ouro. E Ana de Armas saiu de lá reverenciada. Por merecimento. Ela vai ao Inferno da dor e do sexismo, numa longa que pula entre a cor e o P&B por estilo. Controverso por natureza, Dominik, aclamado em 2007 com «O Assassinato de Jesse James Pelo Cobarde Robert Ford», assina a direção de «Blonde», abordando a diferença entre a personagem pública e privada de Marilyn, já transformada em mito. Partindo de sua volátil infância, quando era chamada pelo nome real, Norma Jeane, até sua ascensão ao estrelato, com direito a romances explosivos, o filme escancara o circo mediático que levou a estrela ao desespero e à solidão. O craque do beisebol Joe DiMaggio (1914-1999), que foi apaixonado por ele durante anos, entra em cena vivido por (um esplendoroso) Boby Cannavale, sem que o personagem receba o nome real do atleta. O mesmo vale para o dramaturgo Arthur Miller (1915-2005), que é encarnado por Adrien Brody.

Título original: Blonde Realização: Andrew Dominik Elenco: Ana de Armas, Lily Fisher, Julianne Nicholson, Adrien Brody, Bobby Cannavale Duração: 167 min. EUA, 2022

https://www.youtube.com/watch?v=aIsFywuZPoQ
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