Estreou na Netflix esta sexta-feira, 17, e traz o criador de «Black-ish» a fazer dele próprio. A série é a primeira do autor, que se mudou de armas e bagagens da ABC para o serviço de streaming.

De momento, a Netflix parece ter todos os trunfos para disparar na linha da frente em relação ao seu principal concorrente direto, a HBO. Não contente com o “roubo” dos todo-poderosos Ryan Murphy (que já se estreou com «The Politician» e se prepara para lançar «Hollywood» e «Ratched») e Shonda Rhimes (que este ano deverá estrear «Bridgerton»), a Netflix foi ainda buscar o autor mais prolífico de séries de temática afro-americana: Kenya Barris. O produtor/criador é sobretudo conhecido por ser a mente por detrás de «Black-ish» e dos seus spin-offs, «Grown-ish» e «Mixed-ish», ainda que a sua carreira tenha começado no final dos anos 90 e se tenha estabelecido com o reality «America’s Next Top Model», de Tyra Banks.

BlackAF

A primeira série de Kenya Barris na Netflix, «#BlackAF» – cuja primeira temporada já está disponível na sua totalidade no serviço de streaming – é uma versão “meta” do próprio criador, que se estreia na representação a fazer dele próprio. Numa mistura entre «Curb Your Enthusiasm», «The Office» [como esquecer os olhares de “julgamento” para a câmara] e «Modern Family», mas na perspetiva de uma família afro-americana. Barris ilustra na tela o estereótipo típico de novo rico – que, sendo afro-americano, enfrenta desafios inusitados por esse facto –, adicionando várias camadas de discussão sobre racismo e escravatura (palavra presente em todos os títulos de episódio da T1). Ao mesmo tempo que parece gozar consigo mesmo, atira ideias bem conseguidas que nos levam a reanalisar temas que tomámos como certos, adicionando novas perspetivas.

Tal como em «#BlackAF», Barris tem seis filhos. Mas se na série Rashida Jones interpreta uma ficcional Joya Barris, a mulher de Kenya chama-se na realidade Rainbow (tal como a protagonista feminina de «Black-ish», Tracee Ellis Ross) e o casamento vive momentos bem menos felizes. Em 2019, Barris pediu o divórcio – algo que não é inédito na história do casal – e ainda não se sabe se já foi concretizado (em 2014 acabariam por se reconciliar). Contas feitas, é certo que o casal ficcional da trama também atravessa os seus problemas, mas frequentemente em prol da vertente humorística da série, muitas vezes sustentada num discurso histórico e fortemente apoiado na desigualdade entre brancos e afro-americanos. A espaços, a dupla só quer saber qual é o melhor progenitor.

O contrato multimilionário com a Netflix integra a própria storyline, que também marca encontro com outros rostos bem conhecidos como Steven Levitan (criador de «Modern Family»), Tyler Perry (figura incontornável da comédia), Issa Rae («Insecure») e Ava DuVernay, entre muitos outros. Uma série na linha dos outros projetos de Barris que, ainda assim, procura ir mas além através da sua (falsa) realidade.

Não obstante, esta é uma série que equilibra bem o argumento mais composto com o humor. E que, ao mesmo tempo que caricaturiza Barris sob o olhar da criação do próprio, tem a capacidade de construir e consolidar uma família plural e onde cada personagem tem a sua individualidade e presença na narrativa. Para justificar a abordagem documental da gravação, um pouco como acontecia em «The Office», a série atribui a responsabilidade a Drea (Iman Benson), a filha que ambiciona entrar na Escola de Cinema da Universidade de Nova Iorque e grava o documentário para o efeito. Mas, como uma das irmãs antecipa, o mais certo é o pai lhe roubar a ideia…

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