BLACK SNAKE MOAN

Mais uma vez o realizador americano Craig Brewer entra em Portugal pela porta dos fundos, isto é, a sua segunda longa-metragem incompreensivelmente não estreia em cinema. Sendo que é directamente editada em DVD tornando «Black Snake Moan» um dos melhores inéditos de 2007, em DVD.

Craig Brewer já conta no seu curriculum com um dos marcos em cinema sobre a cultura de rua americana, nos anos 2000, «Hustle & Flow» valeu a Terence Howard a nomeação para Óscar e revelou ao mundo um grande actor. O objectivo de Brewer continua inalterado efectuar cinema onde a música desempenha um papel chave, «Black Snake Moan» inspira-se nos blues e nas raízes do sul dos Estados Unidos para criar um colosso cinematográfico um objecto que parece ter vida própria. Os blues são canções da alma, proveem do coração, é precisamente de amor e o espiar dos demónios que afogam os seres que o filme ambiciona explorar. Desenvolve-se uma relação superlativa e disfuncional entre duas pessoas que por circunstâncias do destino faz com que estas se cruzem com as faíscas a saltarem muito antes dos polos se conectarem.

Rae (Christina Ricci) é a miúda gira e esguia da cidade, nenhum homem consegue ficar com as calças postas ao pé dela, esta vai perder ainda mais o seu rumo quando o seu noivo, que sofre de crises de ansiedade, parte para a guerra. Os reflexos de uma mulher usada e esmurrada vão dar à porta da quinta isolada de Lazarus (Samuel L. Jackson). Ele é um músico que há muito não toca na guitarra, vê-se traído, tal qual Caim e Abel, e abandonado pela sua mulher, terminando um casamento com mais de trinta anos. Lazarus e Rae estão sós, criando uma bela e estrondosa relação literalmente a ferros. O próprio enredo apresenta os dois seres como pessoas em trajectórias de auto destruição a sua reunião dá-se sobre a comunhão dos blues e da religião.

O enredo evolve no bible belt americano o credo faz parte do dia a dia, os pregadores as bíblias e os fervores de Deus são invocados em cada esquina da pequena cidade do sul. O Senhor, Brewer e Lazarus vão escrever certo por linhas tortas enviando o espectador para uma viagem de redenção onde o ponto de retorno é incerto. Os infortúnios dos protagonistas vão ser exorcizados pela força não de mezinhas mas da alma e do coração.

As viscerais interpretações de Jackson, Ricci e Timberlake imprimem no ecrã uma marca de um realizador promissor, que dirige os seus actores com mestria obtendo o melhor de cada um deles. Jackson é também uma revelação como um interprete de canto, com músicas como o tema titulo do filme black snake moan. Numa performance que se torna inesquecível a ser encenada numa fusão de música e ideias em cena.

O retrato em carne viva das vivências do sul não quer roçar o depreciativo purga apenas a humanidade dos personagens o choque entre estes egos, bem delineados, origina uma irresistível e excêntrica fábula cinematográfica do século XXI.

Título original: Black Snake Moan Realização: Craig Brewer Elenco: Christina Ricci, Samuel L. Jackson, Justin Timberlake, S. Epatha Merkerson Duração: 116 min. EUA, 2007

[Texto originalmente publicado no site Cinema2000, Outubro 2007]