Beau Tem Medo

BEAU TEM MEDO

BEAU TEM MEDO

Ari Aster confessou, aqui mesmo nesta revista, o quão fascinado é pelo escritor Fernando Pessoa, e tendo em conta este «Beau Tem Medo» entendemos uma parte desse interesse. O poeta português e arquitetado da ideia de “Quinto Império” poderia ser compreendido como um homem aprisionado nos limites do seu próprio corpo, onde só a mente, escapista como nunca, viajaria por labirínticas alas da sua consciência, assim criando heterónimos, as milésimas possibilidades da sua criação (e genialidade, digamos). Em certa parte, essa desconstrução está presente no falso-thriller de Edgar Pêra («The Nothingness Club – Não Sou Nada») ainda por estrear, mas nesta façanha ao jeito de Joaquin Phoenix, Aster solicita ao ator mais do que a sua aliança, o seu heterónimo possível num labirinto onde o próprio criou enquanto auto-clausura, e o minotauro-guardião desse terreno é nada mais, nada menos, que a sua própria Mãe. O realizador, que tem feito carreira com «Hereditário» e «Midsommar – O Ritual», para além das curtas que o antecederam, esfrega as mãos em contemplação ao seu predileto alvo, o de debochar os elos familiares e neles deparar com a “mãe de todos os males” – a Família – essa instituição sagrada para alguns (e não poucos). Porém, enquanto nos seus trabalhos anteriores e sob o signo do terror e das respectivas e diversas variações construiu alegorias, com “Beau tem Medo” cai na armadilha da pretensão de uma privada terapia, só que o desejo de a partilhar perante os espectadores os expõe a três horas de psicanálises e miserabilismo umbiguista em vestes de “culpa privilegiada”. Não vamos negar que Aster possui talento, a primeira meia-hora, aquela num gueto que consolida fobias comuns é um aperitivo mórbido de malapata disfuncional, com Phoenix a fazer o seu trabalho de casa com exemplaridade. Mas logo o fulgor desenvolve para ares shyamalianos – a teatralidade do seu próprio género – a farsa que se vai relevar com meta-linguagens (ou seja lá que mais), até prender-se no julgamento à persona, à personagem como bem entenderem, mas também ao realizador algemado aos seus traumas. Isto em 3 horas e meia de duração! Definitivamente é uma obra um tanto arriscado para alguém, ainda jovem, que cumpre a marca das três longas-metragens, e nisso, revela imaturidade em abordá-las. Por outro lado, Ari Aster não engana ninguém, por detrás daquela ambição sufocante existe um “rapazinho inseguro” a realizar um filme de igual termo, o resto são máscaras; sociais, edipianas, freudianas, e mais “anas” a acrescentar. Ai, aquilo que a terapia nos livraria! Mas o mal está feito, resta esperar que depois deste trambolhão, Aster retorne, com mais humildade (por suposto), à sua velha forma.

Título Original: Beau is Afraid Realização: Ari Aster Elenco: Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Amy Ryan, Nathan Lane, Denis Ménochet, Parker Posey, Bill Hader, Michael Gandolfini Duração: 179 min. EUA/Reino Unido/Finlândia/Croácia, 2023

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº95, Junho 2023]