Devo começar por dizer que este convite de Wes Anderson a uma “cidade” fictícia perdida em “nenhures” no deserto de Mojave, serviu-me de provisório antídoto a uma tendência cada vez mais gritante no cinema, e não só, atual. Enquanto a maioria dos espectadores gerou uma exigência rigorosa em relação a realismos, continuidades e lógicas, o realizador norte-americano, nesta sua 11ª longa-metragem, para além da sua estética pessoal e inimitável (mesmo sabendo a existência de copycats nunca atingem o grau de primor e de mise-en-scene), elabora uma farsa, de alicerces a nu quanto à sua própria criação, entre camadas de narrativas e becos-se-saída quanto a essa progressão, um sonho dentro de um sonho, como quiserem caracterizar, um cenário por detrás de outro cenário. Em «Asteroid City» o pedido é o de desacreditar nas leis supras do mundo e usar este cinema como escapismo absoluto, a realidade é transfigurada a uma visão, a visão de Anderson, a sua, contra uma visão de “ninguém” que tem infestado as obras de tom realista (como se acredita), estrangulando a autoralidade sobretudo formal. No centro desta matrioska de historietas e vinhetas cómicas-trágicas, está Edward Norton como dramaturgo da história corrente, o “fantoche” (no bom sentido) de Anderson à sua maquete jubilante, e um dos atores, mais especificamente Jason Schwartzman (“cara” familiar anderseana, porém, confirma-se mais aprimorado), o questiona do porquê de a sua personagem queimar a mão no grelhador (um ato irracional, portanto). A resposta do escritor-criador é decepcionante, “prosseguimos” com a narração é o conselho aí emanado. Porquê explicar a razão das razões? Porquê alimentar os vícios do público absolutista com os absolutos da coerência? «Asteroid City» é, em todo o caso, uma brincadeira, no seu termo mais prazeroso, o de fazer acreditar que a arte (ou lá que seja) está lá à nossa altruísta utilização, além disso, é o rigor da técnica, da estética, daquele movimento de câmara preciso em conformidade com o determinado gesto do ator, é o cenário como mundo e o mundo como cenário, e com isto fazer-nos acreditar numa das medulas perdidas do Cinema em valorização do que nos querem apelidar de “cinema moderno”. Wes Anderson brindou-nos com a razão absoluta (esse sim) da sua existência. Acreditar que o Cinema pode convencer-nos do contrário do nosso quotidiano. E pronto, daqui desejo não sair mais, faço companhia ao papa-léguas.

Título Original: Asteroid City Realização: Wes Anderson Elenco: Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Jeffrey Wright, Edward Norton, Rupert Friend, Hope Davis, Liev Schreiber Duração: 105 min. EUA, 2023

foto: © 2022 Pop. 87 Productions LLC

https://www.youtube.com/watch?v=9FXCSXuGTF4
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