Antes do sucesso global de «Hamilton», que emergiu na Broadway, Lin-Manuel Miranda deu nas vistas no teatro musical, como protagonista, compositor e escritor de «In the Heights». O inesperado êxito do musical, que ilustra a difícil jornada de um grupo de latinos num bairro de Nova Iorque, valeu-lhe um Prémio Tony (banda sonora original) e dois Prémios Laurence Olivier; além de um Theatre World Award para “melhor performance de estreia” e de um Clarence Derwent Award para “ator mais promissor”.
O multifacetado autor e ator foi consolidando o seu lugar no teatro musical e também na sétima arte, onde rapidamente surgiram os primeiros projetos de adaptação de «In the Heights». Após alguns atrasos, indecisões e mudanças, o filme tornou-se mesmo realidade e traz como protagonista um dos atores do cast original de «Hamilton», Anthony Ramos. Ramos interpreta Usnavi, a personagem quem em tempos ascendeu Miranda ao estrelato.
Usnavi (Ramos) tem uma mercearia de bairro em Washington Heights, por onde passa a generalidade do elenco latino para beber o tradicional café matinal. O jovem, já sem pais, tem como principal referência a abuela Claudia (Olga Merediz recria o seu papel da Broadway), que o ajuda a motivar-se e a alimentar o sonho de regressar à República Dominicana. Usnavi pretende gerir um bar de praia e levar consigo Claudia e o primo Sonny (Gregory Diaz IV).
São várias as storylines que se cruzam em «Ao Ritmo de Washington Heights» (2021): os novos negócios que vão “engolindo” os mais antigos; o romance a florescer entre Usnavi e Vanessa (Melissa Barrera); o cabeleireiro de Daniela (Daphne Rubin-Vega) que vai mudar de zona; Nina (Leslie Grace) que regressa desiludida de Stanford ou o pai Kevin Rosario (Jimmy Smits) que faz de tudo para lhe pagar os estudos; e o vendedor de rua (Lin-Manuel Miranda) que tenta fazer frente à concorrência. Tudo enquanto se aproxima a maior festa de Washington Heights… e um apagão.
É sempre complicado analisar uma longa metragem que nasce originalmente num palco, uma vez que é impossível replicar a mesma sensação numa ação corrida e mais “artificial”. O desafio passa por criar novas sensações, novas camadas e reinventar a obra à luz dos tempos em que renasce. E reforçar o foco: a luta pelos direitos e oportunidades dos latinos, nomeadamente os ilegais, é bem audível nas interações entre personagens, nomeadamente em manifestações e conversas sobre “pequenos sonhos”.
A vida não devia ser mais difícil porque vieram da República Dominicana, do México, de Cuba ou de outro país, mas a verdade é que é. Depois das dificuldades iniciais da nova língua, quem emigrou para os Estados Unidos teve de se contentar com os empregos que havia, na esperança de conseguir uma vida melhor. Entre o sonho e a ilusão, foram-se reunindo nos Heights, onde o espírito de comunidade é incrivelmente forte, e irrealizável noutros bairros ou noutros estados.
Apesar das alterações em relação ao musical original, não se pode considerar que a narrativa tenha perdido força, pelo contrário. Os intervenientes foram capazes de explorar as possibilidades oferecidas pela magia do cinema, seja com coreografias à boleia de efeitos de luz ou de detalhe, seja pela ajuda valiosa de efeitos visuais ou da maior pormenorização dos espaços, o que contribui para a dinâmica. Não obstante, é preciso olhar para a longa como um universo diferente daquele que lhe dá origem, a fim de não lhe cobrar aquilo que só o teatro atinge.
A escolha do realizador Jon M. Chu é uma vitória. O currículo versátil do cineasta fala por si, pelo que a experiência vasta em filmes de ação e de dança, até em videoclips, oferece uma visão 360º que engrandece a obra. Mesmo com diferenças, a consistência é uma mais-valia: a opção por manter a autora do livro na escrita do argumento, Quiara Alegría Hudes, contribui para fortalecer o espírito da história e não inventar em demasia. Já as músicas, apesar de ligeiras alterações e trocas na ordem, têm a supervisão de quem lhes deu vida, Lin-Manuel Miranda.
«Ao Ritmo de Washington Heights» (2021) tem, aliás, várias gags relacionadas com «Hamilton», da música de espera da universidade de Nina ao conflito entre a personagem de Lin e Chris Jackson – grandes amigos que integraram o cast original de «In the Heights» (como Usnavi e Benny) e o de «Hamilton» (como Hamilton e George Washington). Os momentos entre os dois, um vendedor de granizados e um vendedor de gelados, é muito possivelmente um dos melhores momentos do filme. Pelo menos para quem tem o histórico desta dupla talentosa.
O elenco integra ainda referências do pequeno e grande ecrã, além dos já mencionados, como Corey Hawkins, Stephanie Beatriz e Dascha Polanco. Importa também lembrar que, ainda este ano, deve estrear o novo «West Side Story» (2021), com realização de Steven Spielberg.
Título original: In the Heights Realização: Jon M. Chu Elenco: Anthony Ramos, Corey Hawkins, Melissa Barrera. Duração: 143 min. EUA, 2021