Ciclicamente, surgem reflexões mais ou menos desencantadas sobre o facto de o cinema português continuar a mostrar-se deficitário na relação com as histórias do próprio dia a dia do nosso país. É uma observação a que podemos reconhecer alguma pertinência, embora seja sempre arriscado favorecer o simplismo de algumas generalizações — de facto, um filme pode até funcionar num registo de fábula, distante e abstracto, e apesar disso tocar de forma muito subtil o nosso aqui e agora.
Seja como for, importa dizer que o primeiro mérito da nova realização de António-Pedro Vasconcelos decorre da sua capacidade de abordar um Portugal distante dos clichés da “grande cidade” (a acção decorre em Viseu), ao mesmo tempo resistindo a qualquer caracterização mais ou menos pitoresca e paternalista da “província”.
Inspirado em factos verídicos, o argumento assinado por Tiago R. Santos — que já trabalhara com António-Pedro Vasconcelos em Call Girl (2007), A Bela e o Paparazzo (2010) e Os Gatos Não Têm Vertigens (2014) — aposta numa dupla vertente: por um lado, trata-se de colocar em cena a paixão de Cristina (Victória Guerra) e Tiago (José Mata), assombrada pelo comportamento violento de Tiago; por outro lado, essa paixão está também assombrada, de modo obviamente distinto, pela ânsia de Cristina “reproduzir” os grandes amores românticos, aliás tendo O Monte dos Vendavais como referencia obsessiva.
Entre aquele par e outro, formado por dois polícias (Soraia Chaves e Ricardo Pereira), vai-se consolidando uma teia de factos e emoções que, no limite, irá conduzir a um impasse a definição de cada uma das personagens. António-Pedro Vasconcelos filma, assim, o modo como o fluxo amoroso é feito de enlaces e rupturas que, em última análise, questionam o lugar social de cada um dos seres envolvidos. Reforçando uma marca essencial do seu cinema, a direcção de actores constitui um trunfo decisivo, além do mais afastando a ficção de qualquer formatação de raiz telenovelesca.
Título original: Amor Impossível Realização: António-Pedro Vasconcelos Elenco: Victória Guerra, José Mata, Soraia Chaves, Ricardo Pereira, Maria d’Aires Duração: 125 min. Portugal, 2015
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº34, Janeiro 2016]