«A Terra Prometida» do prestigiado Michael Winterbottom chega às salas de cinema a 14 de Março. É um lançamento com uma enorme importância ao ser baseado em factos verídicos desenrolados na antecâmara da criação do estado de Israel.
O cinema teve sempre a capacidade de entreter, mas também de nos apresentar retratos e históricas verídicas que se tornam pertinentes na actualidade. «A Terra Prometida» teve um grande trabalho de pesquisa que ladeia um romance proibido num cenário de resistência e conflito na Palestina e envolto numa trama de espionagem e acção. É um filme que os espectadores não querer perder.
A Inglaterra ficou entre 1920 e 1948 com um mandato para o controlo na região da Palestina depois dos acordos do pós Primeira Guerra Mundial. O mandato ficou marcado por uma falta de estratégia inglesa e a violência no território. Um papel ingrato para os ingleses na mediação de um conflito entre judeus e palestinianos ao mesmo tempo que se tentava manter a ordem no território e evitar uma escalada da violência. As forças britânicas tornaram-se o alvo da ira dos judeus mais radicais que queriam os ingleses fora da Palestina e o estabelecimento de uma pátria para os judeus.
O thriller romântico no centro desta história corre sobre este pano de fundo na paixão entre Shoshana (Irina Starshenbaum) e Thomas Wilkin (Douglas Booth). Ela uma jornalista judia e a filha de um dos fundadores do sionismo socialista e ele um investigador da polícia inglesa. A relação de Shoshana e Thomas irá provocar reações inflamadas sendo colocada a lealdade de ambos perante as causas que representam algo que vai testar o seu amor. Há igualmente uma subtrama relacionada com a captura e o desmantelamento de um grupo paramilitar sionista liderado por Avraham Stern (Aury Alby) que provocavam atentados contra alvos palestinianos. «A Terra Prometida» mesmo sendo baseado em factos verídicos importa sublinhar a coesão e a riqueza desta manta narrativa.
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«A Terra Prometida» foi dirigido por Michael Winterbottom, um autor que há quase trinta anos está sempre em cima do acontecimento ao apresentar histórias que mesclam o real com a ficção em cenários que marcaram o mundo (Madchester, Guerra nos Balcãs, Guantánamo, Guerra do Iraque, Pandemia Covid-19 em Inglaterra). Portanto não nos surpreende a criação deste importante filme que estreou no último Festival de Cinema de Veneza de 2023 (evento realizado antes da escalada de violência em Israel e nos territórios ocupados da Palestina) mas que de facto é uma obra representativa de um conflito com pelo menos 100 anos de existência.
A METROPOLIS teve a oportunidade única de falar com o eclético Michael Winterbottom, ficam alguns trechos da nossa conversa. A (longa) entrevista integral sobre «A Terra Prometida» e a carreira de Winterbottom poderá ser lida na edição nº104 da Revista Metropolis.
Poderia descrever a génese de «A Terra Prometida»?
Michael Winterbottom: Sim, para ser sincero, o ponto de partida foi há muito, quando fui ao Festival de Cinema de Jerusalém. Tinham dado um prémio a «Um Coração Poderoso». E estavam a passar alguns filmes que eu tinha feito. Normalmente, quando se vai a um festival de cinema como realizador, entra-se, mostra-se o filme e vai-se embora. É uma experiência um pouco má, porque se vai rapidamente. Como estavam a passar alguns filmes, estive lá mais tempo e li um livro de Tom Segev, um historiador israelita, sobre o Mandato Britânico na Palestina. Na verdade, a partir da Primeira Guerra Mundial, quando a Grã-Bretanha estava a governar a Palestina como força de ocupação e, na altura, o ponto de partida era que parecia haver muitos paralelos entre a Grã-Bretanha na Palestina na década de 1930 e a América e a Grã-Bretanha no Iraque em 2008-2010, ou sempre que a ocupação parecia ter entrado como uma potência ocupante, sem saber realmente o que estávamos a fazer. Ficámos lá como uma espécie de força policial, sem qualquer política, sem qualquer estratégia, e criámos uma espécie de caos. Foi esse o ponto de partida para o filme.
Como foi o processo de pesquisa histórica para esta obra?
Michael Winterbottom: O ponto de partida foi a investigação. Lemos o livro, tivemos um investigador a trabalhar para nós em Israel que depois foi pesquisar muitas histórias. Há muitos relatos em primeira mão do lado britânico, de administradores britânicos, etc., da polícia local. Há também muitos relatos em primeira mão de pessoas dos diferentes grupos clandestinos judeus, da Hagana, do Irugun, etc. Assim, a primeira e longa fase foi a pesquisa, e a segunda fase foi a pesquisa em arquivos de filmes. Por isso, eu e o Josh [produtor], fomos ver muitos arquivos de filmes. Há muitos da época e, obviamente, há muitos arquivos de filmes britânicos porque éramos a potência ocupante. Também há arquivos de filmes em Israel, e depois construímos uma espécie de versão de arquivo das coisas que ligam a nossa história. Penso que essa foi a primeira fase. E depois, quando tivemos a história de Shashanda e Tom Wilkin, e não me lembro, para ser sincero, em que fase da investigação encontrámos essa história. Mas depois de termos essa história, para ser sincero, foi um pouco linear.
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A escolha dos actores foi mais uma vez muito feliz, como foi a decisão em torno da escolha de Douglas Booth e Geoffrey Morton?
Michael Winterbottom: Tivemos sorte, penso eu, em conseguir Douglas [Booth] e Harry Melling, que faz de Geoffrey Morton. Quero dizer, já conhecia o trabalho de ambos. Eles são bastante conhecidos no Reino Unido. Eu queria ter actores jovens. Um aspeto da história em Tel Aviv é que a maioria das pessoas era judaica e por isso muitos dos judeus eram jovens. Muitas pessoas tinham chegado ainda adolescentes, mas também muitos dos administradores britânicos eram jovens. Assim, os verdadeiros Thomas Wilkin e Geoffrey Morton, embora fossem figuras de topo na força policial, tinham cerca de 29 ou 30 anos. E eu queria ter a certeza que tínhamos esse elemento no nosso filme. Eram jovens a fazer estes trabalhos, jovens a viver esta vida. Acho que são ambos óptimos actores, por coincidência, o que eu não tinha percebido quando os escolhi inicialmente, mas na verdade são ambos velhos amigos. Andaram juntos na escola de teatro. Nem sequer na escola de teatro. Acho que foram como crianças, estiveram juntos numa coisa de representação infantil, por isso conheciam-se muito bem, o que foi bom. Isso não foi essencial para a dinâmica entre eles, porque obviamente não são os melhores amigos no filme, mas facilitou o processo de trabalhar com eles.
Irina Starshenbaum é uma revelação, como foi que a descobriu e o impacto dela no filme?
Michael Winterbottom: Sim, ela é óptima.. Ainda bem que gostaste dela. Ela foi fantástica. E, obviamente, esse é um papel absolutamente fundamental e, obviamente, a relação também, na dinâmica entre Douglas e a Irina. E acho que desde o início senti que a Shoshana devia ser forte. De certa forma, a atração de Tom por Shoshana tem tanto a ver com a sua energia, intelecto, força e política. Quase tanto como o facto de ele estar apaixonado por ela, que se sente atraído por todo aquele mundo de Telavive, aquele mundo de cafés e discussões e um sentido de pessoas que se juntam para ter uma espécie de objetivo político que estão a tentar alcançar. Por isso, queria uma mulher que fosse forte. E tinha visto um filme da Irina. Depois vi mais alguns, mas tinha visto um filme da Irina que esteve em Cannes há uns anos, acho que provavelmente em 2018, algo do género. Uns anos antes de começarmos, que se chamava Verão, que é um filme russo, estávamos à procura de alguém, obviamente, os pais da personagem eram russos. Era suposto ela falar russo, era suposto ser judia. Eu não vi isso. Contactámo-la com o agente dela na Rússia e depois conheci-a por Zoom.
Fizemos dois ou três zooms, e ela leu o papel, e depois leu muito mais coisas. Falou sobre a personagem. Achei que ela parecia óptima. E ela veio para Itália mais cedo e trabalhou bastante antes de começarmos a filmar. E achei que foi fantástico trabalhar com ela. E acho que ela também está óptima no filme.
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Poderia falar sobre a importância de «A Terra Prometida» junto do público no contexto da Palestina.
Michael Winterbottom: Sim. De certa forma, a história central do filme, o mundo do filme é realmente a relação entre os britânicos, enquanto força de ocupação na Palestina e a população judaica de Telavive, e especificamente, como é óbvio, entre Tom e Shoshana. Há obviamente outros elementos. Mas suponho que o que senti foi que, quando chegámos a uma determinada altura, a história deles mostrava a forma como as forças políticas, como as discussões políticas, a violência política, afectavam a sua relação, pressionavam a sua relação, os afastavam gradualmente, pressionavam a sua relação e, obviamente, acabavam por destruir a sua relação. E penso que isso é relevante para muitas situações. Há muitos sítios no mundo onde há violência política, obviamente, há muitos sítios onde há guerras civis, muitos sítios onde há conflitos entre dois grupos. E penso que, de certa forma, para as pessoas que estão no fim da violência, que recebem a violência, que são vítimas da violência, se preferir, qualquer que seja o argumento, a experiência continua a ser a mesma.
Bem, quaisquer que sejam os diferentes argumentos em torno da violência, a experiência continua a ser a mesma, claro, o que está a acontecer agora em Israel e Gaza, por exemplo. E esse conflito está a decorrer. Mas não creio que o filme seja sobre isso. Penso que o filme é mais sobre a forma como a violência em geral afecta as pessoas que são apanhadas nesse mundo.
«A Terra Prometida» estreia nas salas de cinema a 14 de Março.
https://www.youtube.com/watch?v=1Fn_ce6xnhI&t=1s