E se… se pudéssemos parar o tempo? Experimentar caminhos diferentes e voltar atrás. Nunca mais voltar? Há mais de 100 anos, Einstein publicava a sua Teoria da Relatividade, provando que, afinal, o tempo não é uma coisa fixa e linear. Contudo, na perspectiva da vulgar pessoa humana, geralmente o tempo não facilita. E foi talvez por isso que se inventou o cinema.
Numa das melhores sequências de «A Pior Pessoa do Mundo», suspende-se o tempo com um interruptor. Julie (Renate Reinsve) hesita antes de entrar na cozinha onde Aksel (Anders Danielsen Lie), o seu namorado 10 anos mais velho, prepara o café da manhã. Não há nada de muito errado entre os dois, nada concreto, mas ela já não quer estar ali, já não se revê naquela relação. Sim, pode ser que tenha conhecido outra pessoa. Se calhar foi sem querer, numa festa onde entrou sem ser convidada. Um flirt sem consequência alguma. Não foram trocados beijos, nem números de telefone. Nada realmente sério. Mas agora ela não consegue tirar da cabeça esse desconhecido, e também não consegue dizer a Aksel que acabou. Então, neste impasse, Julie faz uma pausa para poder explorar o seu desejo.
Enquanto o resto da cidade (o mundo?) fica preso num freeze, Julie corre livre pelas ruas soalheiras de Oslo à procura de Eivind (Herbert Nordrum) – o tal desconhecido. Vai encontrá-lo a servir atrás de um balcão de café. A troca de olhares, a alegria do encontro é algo contagiante. O cliché amoroso – “somos só tu e eu” – tem aqui uma adaptação literal e lúdica muito original. Mas com o cair da tarde, Julie decide voltar para casa, desligar o interruptor, retomar a vida, terminar a relação com Aksel.
O que não dissemos foi que, antes de Aksel e de Eivind, Julie vem navegando entre paixões mais ou menos fugazes, alternando entre prazer e dor, vitórias e derrotas. Para ela, o amor parece sustentar-se no imaginário, na perseguição de uma ilusão que condena à insatisfação qualquer encontro com uma pessoa real. Também a sua vida académica e profissional segue o mesmo padrão: primeiro medicina, depois psicologia, fotografia e, finalmente, um emprego semi-temporário como vendedora numa livraria. Com 30 anos, Julie sente cada vez mais a pressão para “estabilizar”, “casar e ter filhos”, “evoluir na carreira”, etc. & tal. Incapaz de se comprometer, será Julie “a pior pessoa do mundo”? Dificilmente.
Apesar do tom leve que domina o filme (e que contrasta com os filmes anteriores de Joachim Trier), «A Pior Pessoa do Mundo» não deixa de nos fazer reflectir sobre alguns aspectos mais sérios da vida: a irreversibilidade de certas decisões, o receio de um futuro incerto e a importância da liberdade de escolha.
Título original: The Worst Person in the World Realização: Joachim Trier Elenco: Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie, Herbert Nordrum Duração: 128 min Noruega, 2021
https://www.youtube.com/watch?v=UFbSWYVVoVY&feature=youtu.be