Eis a arte do stop motion na sua expressão mais viva e criativa. Se dúvidas houvesse sobre a qualidade e mestria das produções Aardman, «A Ovelha Choné – O Filme: A Quinta Contra-Ataca» está aí para provar que o cinema de animação ainda é concebível nesse registo especial, difícil de alcançar, destinado tanto a crianças como a graúdos. Isto, entenda-se, não no sentido dos pais que acompanham os filhos, mas na aceção do gosto adulto por um cinema que conserva um certo requinte e sabedoria artesanal. Os estúdios britânicos que nos deram «Wallace & Gromit» e «A Fuga das Galinhas» continuam a marcar pontos num modo de produzir diversão cujo espírito inventivo não tem par nas mais recentes animações chegadas às salas – ou mesmo no ano todo.
Com origem na oscarizada curta-metragem «A Close Shave» (1995), de Nick Park, a ovelha Choné surgia no universo da dupla Wallace & Gromit como uma pequena heroína, comilona e silenciosa, pronta para qualquer peripécia. O sucesso dessa primeira aparição foi tal que ofuscou o próprio carisma dos protagonistas, dando azo a uma série televisiva internacionalmente popular – «Shaun the Sheep» – e mais tarde, em 2015, à correspondente longa-metragem para cinema. A sequela que agora se apresenta amplia de forma substancial o ponto de mira do filme anterior: se o primeiro definia a descoberta da cidade como recreativo contraste com o sossego campesino da propriedade de Mossy Bottom, «A Quinta Contra-Ataca» vai buscar inesgotável inspiração ao departamento da ficção científica para regar a aventura conjunta da ovelha Choné com uma criança alienígena (versão fofinha do extraterrestre de Spielberg) de graça galáctica. «Encontros Imediatos do Terceiro Grau», «2001: Odisseia no Espaço», «O Primeiro Encontro», «Ficheiros Secretos», «Alien – O Oitavo Passageiro», «Sinais», «E.T. – O Extraterrestre»… muitas são as referências com que o filme de Will Becher e Richard Phelan brinca, em jeito de homenagem entusiasta.
Verdadeira estrela do cinema mudo, com laivos de Buster Keaton e Charlie Chaplin, a ovelha Choné tem tudo o que muitas vezes falta na linguagem universal da animação: simplicidade, humor inteligente e coração. São estes os três ingredientes que compõem uma “odisseia” de figuras de plasticina manuseadas pela imaginação mais enérgica. Tirando «Toy Story 4», que será o rei das produções animadas deste ano, não houve nada tão brilhante, terno e efervescente como «A Ovelha Choné: A Quinta Contra-Ataca».
Título original: A Shaun the Sheep Movie: Farmageddon Realização: Will Becher, Richard Phelan Elenco: Justin Fletcher, John Sparkes, Chris Morrell. Duração: 86 min. Reino Unido, 2019
[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº 73, Janeiro 2019]