Estamos longe do tempo e do espírito que levou um cineasta como Fernando Lopes a retratar a emigração portuguesa para França nessa magnífica (e mal conhecida) curta-metragem que é “Nacionalidade: Português” (1972). Quatro décadas depois, tudo mudou: o país que somos, a presença dos portugueses na sociedade francesa e, claro, as gerações e os seus protagonistas.
“A Gaiola Dourada” é um objecto que começa por ter o mérito básico, mas essencial, de lidar com o presente – o nosso presente – sem ficar preso num eventual assombramento pelo passado. Agora, os portugueses são cidadãos plenamente integrados no quotidiano francês, mesmo se essa integração não exclui as atribulações de um modo de ser que, dos pratos de bacalhau à paixão pelo futebol, vive sempre dependente da “saudade” das origens.
Há outro maneira de dizer isto: à memória dorida de outro tempo, Ruben Alves contrapõe a alegria da comédia de costumes. Alegria contagiante, importa dizer, já que “A Gaiola Dourada” convoca os mais diversos clichés – a começar pela figura da “criada”, exemplarmente interpretada por Rita Blanco – para, a pouco e pouco, os libertar de qualquer maniqueísmo moralista, fazendo nascer personagens realmente vivas, diferentes e imprevisíveis.
Por mim, não gosto de favorecer qualquer princípio normativo sobre os filmes que se “deviam” ou “não deviam” fazer. Defendo mesmo, intransigentemente, a máxima pluralidade para a produção portuguesa. Em todo o caso, creio que faz sentido dizer que este filme dirigido por um descendente de portugueses reflecte algo que tem faltado à produção interna. A saber: a capacidade de construir um modelo de comédia social que não seja um decalque preguiçoso dos horrores da telenovela e seus derivados.
Título original: La Cage Dorée Realização: Ruben Alves Elenco: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Barbara Cabrita Duração: 90 min França/Portugal, 2013
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº11, Julho/Agosto 2013]
https://www.youtube.com/watch?v=uwXp0ZhXAoY