A obsessão pelo misticismo da floresta já trouxe prodígios ao grande ecrã. Entre eles, assomam imediatamente à memória «Apocalypse Now» (1979) e «Fitzcarraldo» (1982). Contudo, falar de «A Cidade Perdida de Z», o novo filme de James Gray, que se ocupa de uma personagem com o mesmo tipo de devaneio, não implica colocá-lo em plano de comparação com estes gigantes. Pelo menos no que respeita à imponência concreta dessas produções. E isto não é dizer que lhes seja inferior… Simplesmente, Gray não perseguiu uma narrativa poderosa (nem a trabalhou nesses moldes), mas sim uma elegante e compassada imersão na crença profunda, quase mágica, de alguém.

Centrado na figura histórica do explorador britânico Percy Fawcett, a partir do livro homónimo não-ficcional de David Grann, «A Cidade Perdida de Z» é uma aventura introspetiva, laborada em magníficas composições visuais (ou não fosse esta mais uma frutuosa colaboração com o diretor de fotografia Darius Khondji). A primeira de todas mostra-nos Fawcett numa caçada com um simbolismo especialmente premonitório, no momento em que atira sobre o veado que o observa entre a vegetação. Há um sortilégio implícito nesta cena, que se vai espalhar pelo resto do filme.

Pouco mais tarde, esse Fawcett jovial – bem talhado por Charlie Hunnam – recebe uma missão da Royal Geographical Society, que o aborda para uma expedição a território desconhecido entre a Bolívia e o Brasil, a fim de o cartografar. Da parte da sociedade britânica, o interesse escondido por detrás da resolução de um conflito de fronteiras é a borracha, mas Fawcett apenas se entusiasma com a promessa de reabilitação do seu nome de família, manchado pelo passado de jogo e alcoolismo do pai. É este sentimento de futura glória que o impele a deixar a mulher e o filho para trás, e mergulhar na floresta amazónica, em 1906. Uma vez no local, absorvido pela experiência que partilha com um conjunto de guias e o seu assistente Henry Costin (Robert Pattinson), a reputação é a última coisa que lhe interessa… Ouvindo falar de uma cidade ancestral coberta de ouro, e descobrindo aquilo que considera serem evidências da sua existência, Fawcett regressa a solo britânico, onde é aplaudido à chegada, com a mais inesperada das convicções a anunciar: afinal os índios não são os primitivos que o Ocidente imagina. As provas disso são fragmentos de cerâmica que encontrou, e o texto setecentista de um português, que corrobora a verdade de uma cidade escondida. Fawcett chamou-lhe “Z”.

Delírio ou não, é absorvido por tal crença que retorna mais duas vezes à Amazónia, no espaço de 20 anos. Nos intervalos dessas viagens, James Gray converte-se ele próprio num explorador do drama familiar, com o seu esmero classicista que conduzirá a um dos mais belos desfechos cinematográficos deste ano. Aquele em que pai e filho, na última expedição, são colhidos por um mistério arrebatador.

Título original: The Lost City of Z Realização: James Gray Elenco: Charlie Hunnam, Sienna Miller, Robert Pattinson, Tom Holland. Duração: 141 min. EUA, 2016

[Crítica originalmente publicada na revista Metropolis nº49, Maio 2017]

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