Alfred Hitchcock viria a renegar «A Casa Encantada» («Spellbound», 1945), descrevendo-o como mais “uma história de caça ao homem com um embrulho de pseudopsicanálise”. E se é um facto que Freud e o seu método psicanalítico são, hoje em dia, em certos círculos, considerados quase como uma fraude, e se se compreende também o ressentimento do realizador perante alguns “abusos” do produtor David O. Selznick (que chegou a impingir a Hitchcock, como consultora, a sua própria terapeuta), não deixa de ser igualmente verdade que este thriller psicológico com Ingrid Bergman e Gregory Peck é mais estimulante do que as aparências levam a crer.

A história do filme está imbuída de alguns lugares-comuns (nomeadamente psicanalíticos). Uma psiquiatra recebe na clínica onde trabalha um novo colega de profissão que, no entanto, depressa percebe que está amnésico devido a um acontecimento traumático. Recaem sobre ele suspeitas de ter cometido um crime, mas a boa doutora vai ajudá-lo a recuperar a memória e a decifrar o enigma da sua própria identidade…

«A Casa Encantada» revela-se, todavia, um filme mais profundo se visto como uma parábola. Usando a terminologia psicanalítica aplicada aos sonhos, diríamos que o conteúdo manifesto do filme é a tal “caça ao homem envolta em pseudopsicanálise”. Mas o conteúdo latente (mais simbólico) revela uma história clássica de autodescoberta em que o amor é o feitiço benigno que vai quebrar um encantamento maligno e demoníaco que as forças deletérias da doença psíquica puseram em movimento. Uma história que nos diz ainda que toda a relação de amor é, de algum modo, e emulando um pouco a psicanálise, uma relação terapêutica, ou seja, de ajuda, de descoberta, de reparação. Nuno Carvalho

Título original: Spellbound Realização: Alfred Hitchcock Elenco: Ingrid Bergman, Gregory Peck, Michael Chekhov Duração: 109 min EUA, 1945

[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº6, Fevereiro 2013]

https://www.youtube.com/watch?v=HIBaGIUbXqI
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